MANAUS – O ex-presidente Jair Bolsonaro saiu derrotado nesta eleição em Manaus, mas ainda é uma representação política importante na capital amazonense, afirma o professor e sociólogo da Ufam (Universidade Federal do Amazonas) Luiz Antônio Nascimento.
Marcelo Seráfico, que também é professor e sociólogo da Ufam, afirma que o resultado nas urnas mostra que o “conservadorismo/reacionarismo” na capital amazonense “é maior e mais forte do que sua versão bolsonarista”.
Neste domingo (27), a maioria dos eleitores de Manaus reelegeu o prefeito David Almeida (Avante) em disputa contra o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL). Ambos são considerados conservadores e se declaram de direita.
“Bolsonaro saiu derrotado nessas eleições. Ele ainda é uma representação política importante? É. Ele ainda tem um capital político? Tem. Mas todos os projetos que ele se comprometeu pessoalmente foram derrotados, a começar pelo Capitão Alberto Neto, que é o menino de ouro dele”, afirmou Luiz Antônio Nascimento.
“O resultado aqui revela o vigor da direita e, ao mesmo tempo, sua dispersão. Por um lado, o nome do ex-presidente por si só não é suficiente para dar unidade ao conservadorismo e ao reacionarismo. Por outro, muitas das ideias defendidas por estes permanecem sedutoras para o eleitorado manauara”, afirmou Marcelo Seráfico.
Policial militar, Alberto Neto recebeu as “bençãos” de Bolsonaro, que veio a Manaus três vezes para pedir votos para o aliado. O PM amargou a derrota com diferença de 96.874 votos em um universo de 1,4 milhão de eleitores aptos a votar.
Para Luiz Nascimento, o resultado nas urnas mostra que, apesar de ser a segunda pior capital em desigualdade social, Manaus é uma cidade conservadora e que “está preocupada com uma agenda de costumes”. A característica permanece mesmo diante de graves acusações de corrupção eleitoral que recaíram sobre os candidatos.
“Alguns colegas tende a dizer que Manaus não é bolsonarista. Manaus é uma cidade conservadora, sempre foi uma cidade conservadora. É só olhar para quem ela vota nos últimos vinte ou trinta anos”, afirmou o sociólogo.
Em Manaus, o candidato do PT, o ex-deputado federal Marcelo Ramos, que recebeu o apoio do presidente Lula, recebeu só 6,03% dos votos no primeiro turno.
Na Câmara Municipal, o PL de Bolsonaro elegeu seis vereadores. Só ficou atrás do Avante, de David Almeida, que conquistou 7 cadeiras, e do União Brasil, comandado no estado pelo governador Wilson Lima, que ficou com 6 cadeiras. Os partidos de esquerda continuarão a ser minoria no Parlamento municipal a partir de 2025.
“Aí há uma contradição, pois essa população majoritariamente eleitora da direita é a população mais exposta às desigualdades sociais. É uma contradição porque esse eleitor já votou em candidaturas do campo da esquerda porque percebeu neles uma possibilidade de melhoria dessas condições”, completou Luiz Nascimento.
O sociólogo nega que a esquerda não tem conseguido se comunicar com o eleitor e associa a derrota de partidos do campo progressista à contaminação do processo eleitoral, desde a compra de votos à pressão sobre funcionários no próprio local de trabalho.
“A gente está falando em uma eleição que movimentou milhões de reais, muita compra de voto. E compra de voto não é só você dar R$ 50 em boca de urna, é você corromper a máquina. Veja as operações que a Policia Federal conseguiu fazer. Pegou pastores dentro da igreja com dinheiro, pegou o Sinésio [Campos, deputado estadual] com dinheiro”, afirmou Luiz Nascimento.
“Parece que há um discurso de que a esquerda não sabe se comunicar. Uma das coisas que a esquerda mais sabe é se comunicar. Na disputa, quando você corrompe o processo eleitoral, você corrompe também parte desse eleitor, que ele prefere ouvir propostas sedutores do ponto de vista econômica a curto prazo, como arrumar um emprego, por exemplo”, completou o sociólogo.
Politização
Luiz Nascimento afirma que há em todo o mundo o esgotamento da pauta da esquerda, que focam nas mudanças da estrutura da sociedade. Enquanto isso, a extrema direita tem se concentrado em defender valores, com exaltação ao capitalismo, o que tem atraído adeptos.
“Para você reduzir a desigualdade, você tem que mudar a estrutura da sociedade. E a extrema direita toca em valores, projetos privados. Por exemplo, ‘se você não conseguir emprego no distrito industrial, você pegue o que você tiver e empreenda’. Então, são soluções individualistas, enganosas, mas sedutoras”, afirmou o professor.
O sociólogo afirma que os governos de esquerda precisam politizar as políticas públicas para que a sociedade entenda que as conquistas são frutos de pressão de movimentos sociais.
“Ao mesmo tempo a esquerda não conseguiu apresentar uma proposição transformadora. Você pega os governos do PT e percebe que eles sempre caem na armadilha do republicanismo, por exemplo, não politizando as políticas pública. Não estou dizendo partidarizar, eu coloco politizar”, afirmou Luiz Nascimento.
“Quando uma pessoa recebe uma casa do Minha Casa Minha Vida precisaria ser dito: ‘olha essa casa não caiu do céu, essa casa é resultado da luta dos movimentos sociais há 40 anos. Você está recebendo agora, mas a gente está brigando há 20 anos por casa’. ‘Essa bolsa família não caiu do céu. Foi resultado de um projeto de sociedade'”, completou.