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Política

‘Na Amazônia, o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização’. Entrevista com Viviane Vidal da Silva

“Os responsáveis pelos lotes são originários de vários estados do Brasil. No entanto, foi do estado do Paraná que a maior parte dessas pessoas veio, fazendo da região Sul do país a de maior migração para o assentamento [de Matupi]”, afirma a pesquisa

Publicada em 10/05/23 às 18:57h - 12 visualizações

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‘Na Amazônia, o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização’. Entrevista com Viviane Vidal da Silva
 (Foto: Rádio Rir Brasil Amazonas - Direção:Eneida Barauna e Ronaldo Castro - 92 98607-0010)

“É preciso entender o papel da política agrária que acontece no nosso país, pois na Amazônia o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização, por meio de uma reforma agrária conservadora e como forma de desviar a reforma agrária do centro-sul do país, onde realmente existe demanda por esta questão”, afirma a bióloga Viviane Vidal da Silva. Ela obteve doutorado em Ciências Biológicas, área de concentração em Ecologia Aplicada, com pesquisa sobre o impacto das atividades produtivas do assentamento agrário de Matupi, estado do Amazonas, na paisagem natural daquela região. De acordo com a pesquisa realizada pela bióloga, o assentamento é o principal responsável pelo desmatamento, já que os lotes não observariam os limites impostos pela legislação no que se refere às áreas de preservação florestal em função da substituição da atividade agrícola pela pecuária.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Viviane Vidal da Silva aponta uma série de fatores como contribuintes para esta situação, entre eles a localização do assentamento em uma área de expansão da fronteira agrícola, a rotatividade na ocupação dos lotes, as deficiências em recursos humanos e materiais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA para fiscalizar o cumprimento da legislação, a própria falta de infraestrutura no assentamento, a inexistência de estradas para o escoamento da produção dos agricultores e a ausência de assistência técnica para o pequeno produtor.

“Como a pecuária é uma atividade que demanda muitas áreas, a cada período novas áreas de florestas estão dando lugar às pastagens. Tal situação se torna ainda mais crítica por esta atividade ser baseada em um regime extensivo de produção, sem que haja recuperação dos solos, com a desvalorização dos produtos da floresta e sem a adequada assistência técnica. Além disso, existe o baixo preço das terras no estado do Amazonas e a especulação imobiliária, o que acaba atraindo mais pessoas para esta região”, enfatiza a pesquisadora. “Isso leva a uma exploração intensiva dos recursos naturais, desmatamento, empobrecimento da população local e esvaziamento do campo, e com isso não é atingido o objetivo da reforma agrária de promover a justiça social e o desenvolvimento equilibrado com qualidade ambiental da região”, complementa.

Viviane Vidal da Silva é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, possui mestrado em Ciência Ambiental pela Universidade Federal Fluminense – UFF e obteve doutorado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente, é professora da Universidade Federal do Amazonas, no Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, desenvolvendo as atividades docentes no município de Humaitá.

Viviane Vidal da Silva. Foto: arquivo pessoal

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais atividades produtivas na região em que está inserido o distrito de Matupi, no Amazonas?

Viviane Vidal da Silva – O distrito de Santo Antonio do Matupi pertence ao município de Manicoré, sub-região do Vale do Rio Madeira, no sul do estado do Amazonas. Dessa forma está inserido numa área de expansão da fronteira agrícola do estado, onde se verificam diversos processos relativos ao uso da terra, conflitos fundiários e migrações internas. A principal atividade produtiva, tanto na vila do distrito de Santo Antonio do Matupi quanto no projeto de assentamento Matupi, onde desenvolvi minha pesquisa de doutorado, é a pecuária. Esta atividade tem gerado demanda por mais terras para formação de pastagens, haja vista o aumento do número de rebanhos bovinos no Amazonas e em especial no município de Manicoré, que ocupa o quarto lugar em número de cabeças de gado no estado, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2006. Além disso, também existe a extração de madeira.

IHU On-Line – Estas atividades impactam o meio ambiente de que forma?

Viviane Vidal da Silva – Como já é conhecido, existem diversas formas de impacto da pecuária no meio ambiente, como a compactação do solo, a perda da biodiversidade e a redução de áreas de florestas para a formação de pastagens. Na minha pesquisa de doutorado, verifiquei apenas o impacto da pecuária na redução das áreas de florestas dentro de cada lote do projeto de assentamento Matupi, que foi a minha área de estudo. Como a pecuária é uma atividade que demanda muitas áreas, a cada período novas áreas de florestas estão dando lugar às pastagens.

Tal situação se torna ainda mais crítica por esta atividade ser baseada em um regime extensivo de produção, sem que haja recuperação dos solos, com a desvalorização dos produtos da floresta e sem a adequada assistência técnica. Além disso, existe o baixo preço das terras no estado do Amazonas e a especulação imobiliária, o que acaba atraindo mais pessoas para esta região.

IHU On-Line – Sabe-se que a maior parte dos primeiros beneficiados com os lotes do assentamento vendeu informalmente a terra. Qual a origem dos migrantes que compraram estes lotes e quais são as atividades a que se dedicam hoje?

Viviane Vidal da Silva – Os responsáveis [atuais] pelos lotes são originários de vários estados do Brasil. No entanto, foi do estado do Paraná que a maior parte dessas pessoas veio, fazendo da região Sul do país a de maior migração para o assentamento, já que também há beneficiários dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Apesar da maioria dos assentados ser oriunda do estado do Paraná, 95% destes já se encontravam na região Amazônica, principalmente no estado de Rondônia. Eles chegaram ao assentamento por meio da Rodovia Transamazônica – BR 230, à procura de mais terra. Ainda hoje se verifica esta migração, com colonos atraídos, principalmente, pelo baixo preço das terras no estado do Amazonas. Com a sobra do capital, é possível investir na formação de pastagens e rebanho, sem a necessidade de se valer do crédito rural, uma vez que algumas famílias não possuem as características necessárias à obtenção do crédito.

Assim, esses migrantes dedicam-se à atividade da pecuária extensiva, com forma de produção baseada em um modelo importado de outra região do país, onde não existe extração de produtos florestais, tradicionais na região Norte, o que acaba comprometendo a sustentabilidade dos recursos naturais no assentamento. O preparo da terra para a produção ainda é feito na forma de queima, derrubada e roçada, que acaba por esgotar o solo e, assim, é preciso a abertura de novas áreas para pastagens. A localização do projeto de assentamento Matupi em uma área de fronteira agrícola, onde existe mercado para este tipo de produção, só vem contribuir para o aumento desta atividade e, consequentemente, para uma degradação ambiental. Cabe destacar que os beneficiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, assentados na época de implantação do assentamento, em 1995, receberam créditos rurais para produções como café e cupuaçu, mas, pela falta de infraestrutura e de acesso a mercados consumidores, estas produções se tornaram inviáveis.

IHU On-Line – Diante deste cenário, quais são os impactos das atividades produtivas sobre a paisagem de Matupi, conforme os termos da sua pesquisa de doutorado?

Viviane Vidal da Silva – Eu fiz uma análise espacial, usando dados digitais provenientes do banco de dados do [Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia -] PRODES/INPE, no período de 2000/2010, e verifiquei que o uso da terra nos lotes de todo o assentamento tem aumentado, com a conversão de áreas de floresta em uso da terra, principalmente, para a formação de pastagens. E isso acontece até nos lotes da vicinal Santa Luzia, que oficialmente nunca recebeu beneficiários do INCRA. Isso leva a uma exploração intensiva dos recursos naturais, desmatamento, empobrecimento da população local e esvaziamento do campo, e com isso não é atingido o objetivo da reforma agrária de promover a justiça social e o desenvolvimento equilibrado com qualidade ambiental da região.

IHU On-Line – Comente, por favor, a conclusão da pesquisa de que o assentamento é o principal responsável pelo desmatamento na região.

“Os pequenos produtores têm uma importante contribuição para o desmatamento da região”

Viviane Vidal da Silva – As análises dos dados digitais para o período de 2000/2010 mostram que, na maior parte dos lotes, se utiliza mais que o permitido pelo Código Florestal para o bioma amazônico. Dessa forma os pequenos produtores têm uma importante contribuição para o desmatamento da região. No entanto, a integração desses dados espaciais com dados primários das entrevistas que realizei mostra que os fatores sociais e econômicos e as instituições contribuem para esta situação. Por exemplo, a própria localização do assentamento numa área de fronteira, a rotatividade nos lotes, sem que haja tempo para que o INCRA possa resolver esta situação — neste órgão há poucos funcionários para atender uma grande demanda —, a falta de infraestrutura no assentamento, a falta de estradas para o escoamento da produção e a falta de assistência técnica para o pequeno produtor, todos esses fatores contribuem para esta situação. Muitas das pessoas que estão exercendo atividade produtiva nos lotes não são beneficiárias do INCRA. Elas já chegaram à região com capital para a compra de lotes, mesmo que informalmente, e com o seu próprio gado.

IHU On-Line – Em que locais a floresta permanece preservada?

Viviane Vidal da Silva – Em muitos lotes é possível verificar, pelos dados digitais espaciais, que não existem mais áreas de florestas, porque, além da pecuária, existe também a extração de madeira. Mas, nas áreas onde o acesso ainda é difícil, as florestas estão preservadas.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Viviane Vidal da Silva – Gostaria de acrescentar que, embora os assentamentos rurais contribuam para o desmatamento na região amazônica, é preciso que se analise esta questão a partir de uma abordagem que integre os diferentes fatores envolvidos neste processo e que esta análise seja em uma escala local. A Amazônia possui uma grande dimensão geográfica e diferentes processos de ocupação e desenvolvimento que resultam em um contexto diferenciado de problemas sociais, econômicos e ecológicos. Entendendo a integração desses fatores é possível compreender a real contribuição dos assentamentos, para que políticas públicas mais aplicadas possam reverter este quadro. Além disso, é preciso também entender o papel da política agrária que acontece no nosso país, pois na Amazônia o que ocorreu e continua ocorrendo é um processo de colonização, por meio de uma reforma agrária conservadora e como forma de desviar a reforma agrária do centro-sul do país, onde realmente existe demanda por esta questão.

(Por Luciano Gallas)

(EcoDebate, 30/01/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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