Desde 1943 a legislação trabalhista brasileira já teve mais de 500 modificações em seus artigos. Para especialistas a reforma de 2017 foi a que mais prejudicou os trabalhadores.
Na década de 1940, havia um contexto nacional e internacional que exigia uma melhor regulamentação do trabalho, é verdade. Mas o então presidente Getúlio Vargas (1882-1945) também esbanjou populismo ao apresentar a Consolidação das Leis Trabalhistas, conhecida pela sigla CLT, em pleno 1º de maio de 1943, Dia do Trabalho.
De lá para cá, mais de 500 ajustes e modificações foram feitas no catatau de 922 artigos distribuídos em oito capítulos. E, principalmente depois da grande reforma realizada em 2017, no governo Michel Temer, especialistas veem a legislação trabalhista brasileira combalida.
“Durante 80 anos, foi a maior reforma [da CLT], porque alterou mais de 100 dispositivos”, avalia a advogada Fabíola Marques, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. “Não matou a CLT, mas trouxe muitos prejuízos aos trabalhadores, diminuindo a proteção, reduzindo direitos e criando dificuldades para que os empregados possam cobrar o correto cumprimento da lei.”
Reforma de 2017
Ela diz que, “ao contrário do prometido”, a reforma de Temer “não criou novos empregos, não fortaleceu os sindicatos ou a negociação e, como se não bastasse, trouxe riscos para os empregados que, por não terem seus direitos observados, são obrigados a acionar o poder judiciário”.
Para o advogado Luiz Carlos Corrêa, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), entre os impactos negativos resultantes da reforma de 2017 está a ampliação da “precarização” e a piora na “inserção no mercado de trabalho”: “Os postos de trabalho criados estão também em condições piores. Um dos argumentos de quem defendia a reforma era a criação de mais empregos, mas vimos o contrário.”
Em 2019, pela primeira vez na história, o Brasil acabou incluído na lista dos dez piores países do mundo para a classe trabalhadora, segundo o Índice Global de Direitos divulgado durante a 108ª Conferência Internacional do Trabalho, entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Da mesma lista constam países como Zimbábue, Filipinas, Cazaquistão, Bangladesh e Guatemala.
Mas não são só críticas que pesam sobre a reforma de 2017. A advogada Tatiana Ferraz, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), onde integra o Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho, e professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie, defende que as mudanças implementadas foram “necessárias para a adequação da legislação trabalhista às novas tipologias criadas nas últimas décadas”.
Ela defende a necessidade da criação de um código próprio para o direito do trabalho. “Ainda há a insistência de nosso legislador em ‘remendar’ a CLT, perdendo a oportunidade de criar um código, no que pese a reforma trabalhista ter sido a maior até hoje em nosso sistema”, argumenta a professora. “Isso é fruto de um sistema conservador e ainda preso às raízes protecionistas, que não se justificam mais para 100% dos empregados.”
Dentre todos os “remendos”, destacam-se outros ajustes além da reforma do governo Temer. A Constituição de 1946, por exemplo, transformou a Justiça do Trabalho em órgão do poder judiciário, reconhecendo sua autonomia. Em 1966 foi criado o 13º salário. Três anos mais tarde, houve a regulamentação do descanso semanal remunerado e do trabalhado aos domingos e feriados. A Constituição de 1988 fixou direitos mínimos dos trabalhadores. É do ano seguinte a lei que atualmente regulamenta greves.
Mais recentemente, em 2019, instituiu-se a assim chamada lei de liberdade econômica, que ampliou o leque de atividades com permissão para trabalho aos domingos. “Além disso, na pandemia, o Brasil teve diversas medidas provisórias, algumas convertidas em lei, permitindo a adoção de medidas para flexibilizar alguns direitos trabalhistas”, salienta Ferraz. “Em 2022, tivemos uma lei […] com importantes alterações para o teletrabalho e o vale-refeição.”
Contexto histórico e protecionismo
Embora não haja um consenso, muitos especialistas veem uma inspiração fascista na criação da CLT. Não só por o governo Vargas, o assim chamado Estado Novo, ser uma ditadura, mas devido às semelhanças com a Carta del Lavoro, publicada na Itália em 1927 pelo partido fascista de Benito Mussolini (1883-1945).
“A CLT nasceu num contexto que vinha desde a década de 1930, com o aumento não só no Brasil mas em todo o mundo da necessidade de garantir os direitos trabalhistas”, afirma a advogada Maria Lucia Benhame, diretora presidente da Associação Paulista de Relações e Estudos Sindicais.
Ela explica que havia uma preocupação do governo de “defesa contra o comunismo” e “é nesse contexto que a CLT nasce”, “sob decreto, não de uma discussão democrática, de um parlamento, mas de um decreto presidencial baseado na carta ditatorial”.
Para a especialista, a CLT foi motivada pelo interesse “do controle estatal sobre as relações de trabalho, baseado na busca da paz social”, numa lógica em que “os direitos individuais são concedidos de modo governamental por um ditador populista que tinha a pecha de ser chamado de ‘pai dos pobres'”.
Tatiana Ferraz ressalta que a legislação “foi criada num contexto de Estado controlador, o que se evidenciava na criação do sindicato único”. “O objetivo era criar um documento único que pudesse trazer de forma clara e acessível os direitos dos trabalhadores, num contexto de aceleração da economia, que gerou o aumento da oferta de empregos, mas acentuou as péssimas condições de trabalho e a desigualdade social.”
A partir de então, criou-se também o imaginário nacional de que a legislação trabalhista brasileira era muito protetiva e onerosa para os patrões. O que, comparado com outros países, nem sempre é uma visão correta.
Ferraz avalia que a legislação trabalhista local é “abrangente, quando comparada com os Estados Unidos […], que não possui uma lei federal trabalhista”. “Por outro lado, a França tem um código do trabalho prevendo jornada de trabalho inferior à brasileira e proteção contra despedida arbitrária.”
Fabiola Marques entende o protecionismo da legislação trabalhista brasileira como uma necessidade, “porque não existe igualdade de condições entre empregado e empregador”. “Depende: se compararmos com a China, [a lei brasileira] é bem mais protetiva. Se comparada com a Alemanha, França e Espanha, não é mais benéfica.”
“É importante [salientar] que o problema do desemprego no país não é decorrente da legislação trabalhista, mas sim de fatores sociais e econômicos”, defende Marques. “Enquanto não houver garantia de educação e distribuição de renda no Brasil, empregados continuarão a ser explorados. Com ou sem legislação protetiva, já que tampouco existe fiscalização.”
A evolução do trabalho ao longo da história
Até a Idade Média, o trabalho tinha má reputação. Então Martinho Lutero o pregou como dever divino. Hoje, robôs ameaçam substituir a mão de obra humana, mas esta pode ser uma oportunidade positiva para os humanos.
Ócio como ideal
Entre os pensadores da Grécia Antiga, trabalhar era malvisto. Aristóteles colocava o trabalho em oposição à liberdade ,e Homero via na ociosidade da antiga nobreza grega um objetivo desejável. O trabalho pesado era para mulheres, servos e escravos.
Quem faz festa não trabalha
Na Idade Média, trabalhar na agricultura era uma tarefa árdua. Quem era obrigado a trabalhos forçados por seus patrões, não tinha escolha. Mas, quem a tinha, preferia fazer festa e não se preocupar com o amanhã. Pensar em algum tipo de lucro era considerado vício. Uma cota de até cem dias livres por ano servia para garantir que o trabalho não ficasse em primeiro plano.
Trabalho como ordem divina
No século 16, Martinho Lutero declarou a ociosidade um pecado. O homem nasce para trabalhar, escreveu Lutero. Segundo ele, o trabalho é um “serviço divino” e ao mesmo tempo “vocação”. No puritanismo anglo-americano, o trabalho é visto como um sinal de que quem o executa foi escolhido por Deus. Isso acelerou o desenvolvimento do capitalismo.
A serviço das máquinas
No século 18, começou a industrialização na Europa. Enquanto a população crescia, diminuía o espaço cultivável. As pessoas migraram para as cidades em busca de trabalho em fábricas e fundições. Em 1850, muitos ingleses trabalhavam 14 horas por dia, seis dias por semana. Os salários mal davam para sobreviver. Descobertas como a máquina a vapor e o tear mecânico triplicaram a produção.
Otimização da linha de montagem
No início do século 20, Henry Ford aperfeiçoou o trabalho na linha de montagem da indústria automobilística, estabelecendo padrões para a indústria em geral. Com isso, a produção do Ford modelo T foi facilitada em oito vezes, o que baixou o preço do veículo e possibilitou salários mais altos aos funcionários.
Surge uma nova classe
Com as fábricas surge uma nova classe: o proletariado. Para Karl Marx, que cunhou este termo, o trabalho é a essência do homem. O genro de Marx, o socialista Paul Lafargue, constatou em 1880: “Um estranho vício domina a classe trabalhadora em todos os países (…) é o amor ao trabalho, um vício frenético, que leva à exaustão dos indivíduos”. O cartaz acima diz: “Proletários do mundo, uni-vos”
Produção barateada
Ao longo do século 20, aumentaram significativamente os custos sociais com os trabalhadores nas nações mais ricas do mundo. Como resultado, as empresas transferiram a produção para onde a mão de obra é mais barata. Em muitos países pobres prevalecem até hoje circunstâncias que lembram o início da industrialização na Europa: trabalho infantil, salários baixos e falta de segurança social.
Novas áreas de trabalho
Enquanto isso, são criados na Europa mais empregos no setor de prestação de serviços. Cuidadores de idosos são procurados desesperadamente. Novos campos de trabalho estão se abrindo como resultado das transformações sociais e dos avanços tecnológicos. Com o passar do tempo, a jornada de trabalho foi reduzida e o volume de trabalho per capita diminuiu 30% entre 1960 e 2010.
Trabalhar, nunca mais?
Eles não fazem greve, não exigem aumento salarial e são extremamente precisos: os robôs industriais estão revolucionando o mundo do trabalho. O economista americano Jeremy Rifkin fala até de uma “terceira revolução industrial” que irá acabar com trabalho assalariado.
Robôs vão nos substituir?
Esta pergunta já é feita desde que a automação chegou às fábricas, mas agora a situação parece se acirrar. Com o avanço da digitalização, da Internet das Coisas e da Indústria 4.0, muitas ocupações estão se tornando obsoletas – e não só na indústria.
Fonte: DW