Llore Pasco, 70 anos, ainda chora quando fala sobre Crisanto Lozano, 34 anos, e Juan Carlos Lozado, 31. Em 12 de maio de 2017, a massagista de reflexogia recebeu a notícia que nenhuma mãe espera: os corpos dos dois filhos — de um total de quatro — foram encontrados, com marcas de tiros, em ruas da Cidade Quezon, na ilha filipina de Luzon. "Perdi os dois para a guerra às drogas de Rodrigo Duterte", desabafou ao Correio. Nesta terça-feira (11/3), enquanto assistia ao noticiário noturno com interesse pessoal e atenção, Llore experimentava sentimentos conflitantes. Duterte, que governou as Filipinas entre 2016 e 2022, foi preso após desembarcar no Aeroporto Internacional Ninoy Aquino, em Pasay, região metropolitana da capital Manila. "Estou feliz porque ele está detido, e emocionada, pois isso era algo que aguardávamos desde 2017 e, agora, a longa guerra chegou ao fim. Também estou com medo, pois temos um longo porcesso de investigação. Mas, creio que os familiares das vítimas receberão a justiça em breve."
O ex-presidente de 79 anos foi levado para Haia (Holanda) às 23h03 desta terça-feira (12h03 em Brasília), onde será entregue ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e submetido a uma audiência de comparecimento inicial. Duterte é acusado de crimes contra a humanidade associados à guerra travada contra o narcotráfico durante seu mandato. Segundo organizações de defesa dos direitos humanos, o ex-líder filipino implementou uma campanha de tolerância zero às drogas, a qual incluiu a execução extrajudicial de milhares de pessoas, em sua maioria usuários provenientes das camadas mais pobres da população.
"Meus filhos foram usuários, mas não estavam mais envolvidos com drogas antes de Duterte assumir. Ainda assim, não escaparam da morte", disse Llore. "Crisanto trabalhava como segurança. Ele deixou a casa dele para buscar a nova licença como guarda, mas nunca mais voltou. Juan Carlos era solteiro. Os corpos deles foram abandonados na parte norte de nossa cidade, ao lado de um jipe. Na véspera, ambos tinham sido perseguidos pela polícia", acrescentou.
Para Llore Pasco, a guerra às drogas lançada por Duterte visava os pobres. "Nossos entes queridos não tiveram direito ao devido processo legal, ao contrário de Duterte, que teve a oportunidade de se defender. Nós esperamos e rezamos que, um dia, tenhamos justiça livre e verdadeira", disse. Presidente da Comissão Internacional de Juristas, professor de direito da Universidade de Ottawa (Canadá) e profissional visitante do TPI em 2009, Errol Mendes afirmou ao Correio que o fato de o presidente Ferdinand Marcos ter permitido a prisão e o envio de Duterte para Haia sinaliza uma "boa chance" de condenação por crimes contra a humanidade pelos assassinatos em massa de supostos traficantes sem o devido processo legal.
"A depender de uma acusação bem sucedida, condenações anteriores podem levar à prisão em Haia ou outras penitenciárias afiliadas por mais de uma década", acrescentou Mendes, ao citar o caso de Thomas Lubanga — ex-líder do movimento rebelde União de Patriotas Congoleses condenado a 14 anos de detenção, em 2012. O jurista acredita que a prisão e transferência de Duterte para Haia representam um aviso para líderes como Putin. "Uma mensagem de que o seu destino não depende de ser deposto ou de ter autoridades que queiram protegê-los de processos."
Veronica, filha caçula de Duterte publicou no Instagram um vídeo com uma declaração do pai. "Qual é a lei e qual o crime que cometi? Mostrem agora a base legal para que eu esteja aqui. "Fui trazido para cá não por minha própria vontade, mas de outra pessoa... vocês têm que responder agora pela privação de liberdade", acrescentou. Apesar de o local da gravação do vídeo não ter sido divulgado, tudo indica que tenha sido na Base Aérea de Villamor, em Pasay. No domingo, durante discurso para trabalhadores filipinos em Hong Kong, o ex-presidente se referiu aos procuradores do TPI como "filhos da p...".
"Não posso mensurar a dor que senti nos últimos oito anos. De tempos em tempos, quando sou entrevistada e repito a história, não consigo segurar as lágrimas. É algo muito doloroso. Crisanto deixou quatro filhos, que estão sob a minha guarda. A minha nora abandonou os meus netos. Por isso, não posso parar de trabalhar", disse Llore.
O TPI iniciou uma investigação formal em setembro de 2021, mas a suspendeu dois meses depois, quando o governo filipino afirmou que estava examinando centenas de casos de operações antidrogas que resultaram em mortes executadas por policiais, milicianos e assassinos. O caso foi retomado em julho de 2023, depois que um painel de cinco juízes rejeitou a objeção do governo sobre a jurisdição do TPI. Desde então, o governo do presidente Ferdinand Marcos disse que não iria cooperar com a investigação.