Um estudo da Universidade Oxford, da Inglaterra, calculou que o Brasil deve desmatar cerca de 64 milhões de hectares de seus principais biomas até 2050, uma área equivalente ao território de Minas Gerais.
O estudo, publicado pela revista científica Global Change Biology em outubro, foi realizado por 13 pesquisadores de oito universidades, sob a coordenação de Oxford.
Segundo a publicação, as atuais políticas públicas de diminuição do desmatamento, como o Código Florestal, não serão suficientes para que o Brasil atinja as metas do Acordo de Paris, assinado em 2015.
O acordo, cujo objetivo é frear as mudanças climáticas, exige que os países eliminem as emissões de gases do efeito estufa até 2050 - o chamado "net zero" - e estipula um limite de 1,5° C para o aumento da temperatura do planeta até o final do século 21.
Segundo Aline Soterroni, cientista ambiental da Oxford Net Zero e da Nature-based Solutions Initiative, a projeção utilizou um método matemático chamado "modelagem de cenários", que considera uma série de tendências atuais para chegar a um volume de desmatamento futuro.
"A gente combinou cenários como falta de controle do desmatamento, uso da terra pela agricultura, governança ambiental fraca e aplicação do Código Florestal", explica Soterroni, coordenadora do estudo.
"A tendência é que o país não atinja a meta de emissões zero mesmo se eliminar o desmatamento ilegal."
A projeção, que considera todos os biomas brasileiros, como Pantanal e Cerrado, foi produzida antes do anúncio da queda de 22,3% no desmatamento da Amazônia.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento anual do maior bioma brasileiro ficou abaixo de 10 mil km² pela primeira vez em quatro anos. De agosto de 2022 a julho deste ano, foram perdidos 9 mil km² de floresta.
A queda foi comemorada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cientistas e ambientalistas.
Procurado pela BBC News Brasil para comentar o assunto, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática não respondeu aos questionamentos.
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A gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi alvo de críticas de ambientalistas por ter afrouxado a fiscalização feita por órgãos ambientais, como Ibama e ICMbio, e pelo aumento dos índices de destruição da Amazônia.
Embora sempre tenha defendido o garimpo na Amazônia, Bolsonaro também afirmou em junho de 2022 que o "nenhum país do mundo possui uma legislação ambiental tão completa e restritiva" como o Brasil.
Por outro lado, a conclusão do estudo de Oxford é que não basta zerar a destruição dos biomas para alcançar a meta de zerar as emissões de carbono até 2050.
Um dos exemplos de políticas públicas nessa área é o Código Florestal, aprovado em 2012, apontado na época como uma dos principais mecanismos para a redução do desmatamento ilegal no Brasil.
Ele impõe aos proprietários rurais a obrigação de preservar parte da vegetação nativa de suas terras por meio de instrumentos de conservação, como Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal.
Porém, o código também é criticado por ambientalistas por anistiar quem já havia desmatado ilegalmente até 2018 e de não frear o problema como prometia.
Dados da organização MapBiomas, divulgados em agosto pelo jornal Folha de S.Paulo, mostram que o país perdeu 5,8 milhões de hectares de vegetação nativa de 2008 a 2012.
Mas essa área aumentou para 8 milhões entre 2013 e 2018, e depois para 12,8 milhões de hectares entre 2018 e o ano passado.
"A anistia contribuiu para a sensação de impunidade", explica Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, e um dos autores da pesquisa de Oxford.
"O estudo mostra que, se o código for totalmente implementado, acabando com o desmatamento ilegal, a redução das emissões seria de 38%. Por isso, é preciso ir além."
O estudo de Oxford também apresenta alternativas para que as metas sejam alcançadas. As soluções, aponta, são baseadas na capacidade de regeneração da própria natureza.
"É preciso reduzir também o desmatamento legal. E o Brasil pode apostar cada vez mais em soluções mais baratas encontradas na própria natureza, como agroflorestas, agricultura regenerativa e manejo sustentável", aponta Soterroni.
Para a pesquisadora, o Brasil "tem grande potencial de utilizar a própria natureza e sua biodiversidade como aliada para cumprir a meta de zerar emissões e enfrentar o grande desafio da humanidade que são as mudanças climáticas".
Porém, um dos grandes entraves é a agricultura, um dos motores da economia brasileira, mas apontada pelo Observatório do Clima como responsável pela maior parte das emissões.
Um estudo da entidade, publicado em outubro, apontou que a produção de alimentos é responsável por 73,7% das emissões de carbono do Brasil, o que representa cerca de 1,8 bilhão de toneladas brutas despejadas na atmosfera.
A pesquisa aponta também que o desmatamento - ou a chamada "mudança do uso do solo" - responde por 56% do total das emissões do setor agropecuário.
O estudo aponta que "as emissões incluem o gás carbônico que vai para o ar quando vegetação nativa é convertida em lavouras e pastos, as emissões diretas da agropecuária - como o metano do 'arroto' do gado -, combustíveis fósseis queimados por máquinas agrícolas e de transporte, o uso de energia e os resíduos sólidos e líquidos de todos esses processos".
A organização indica também que o desmatamento responde por 1 bilhão de toneladas brutas de CO² das emissões produzidas pelo Brasil. O setor agropecuário responde por 56% do total (de emissões) do setor.
"Precisamos ter uma agricultura de baixo carbono", diz Tasso Azevedo, do MapBiomas.
"Uma pastagem degradada emite carbono, mas uma bem manejada captura carbono, deixando-o no solo. Além disso, quando você restaura o ambiente, acaba reduzindo a quantidade de gás de efeito estufa na atmosfera."