A guerra na Ucrânia divide grupos de extrema direita russos e alguns deles lutam agora ao lado das forças de Kiev.
A existência do Corpo de Voluntários Russos (RVK) veio à tona em março, quando assumiu a responsabilidade por uma violenta incursão na região fronteiriça russa de Briansk.
O grupo realiza "operações de sabotagem transfronteiriça" e ataques internos, diz Lucas Webber, da rede investigativa Militant Wire.
"Isso torna difícil para os serviços de inteligência e segurança russos interromperem suas ações", diz ele.
Outros grupos ultranacionalistas permaneceram leais ao presidente russo, Vladimir Putin, como o White Power Ranger Squad (WPRS) e Rusich, assim como o Movimento Imperial Russo ou Cidadãos da URSS.
Todos esses grupos reúnem radicais pan-eslavos, neopagãos, imperialistas e antissemitas, alguns dos quais são membros de "barras bravas" de futebol ou entusiastas de artes marciais.
Ruptura com o Kremlin
Desde a Revolução Bolchevique de 1917, Moscou não apenas tolerou esses grupos extremistas, mas também os instrumentalizou.
"Se você quiser dissolver uma manifestação ou aumentar a segurança em um comício, pode contratá-los", diz Kacper Rekawek, pesquisador do Counter-Extremism Project (CEP), com sede nos Estados Unidos.
"Eles têm sido usados para atacar os liberais russos, a oposição russa, os democratas russos, simplesmente para atacá-los. Eles os usam para fazer o trabalho sujo dos outros. Nesse sentido, eles não são atores independentes", acrescenta.
Mas esses grupos se dividiram em 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia e começou a fomentar uma insurgência pró-Rússia na região do Donbass, no leste da Ucrânia.
Isso levou alguns deles a fugir para a Ucrânia ou Belarus, enquanto outros, que apoiaram a invasão, permaneceram na Rússia.
"Aqueles que estão agora na Rússia são aqueles que anos atrás adotaram a linha partidária", diz Rekawek.
Desde a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, apelidada de "operação militar especial" por Putin, o conflito "deslocou todas as outras questões da agenda", escreveu Natalia Yudina no site do grupo Sova, com sede em Moscou, que rastreia a xenofobia.
“As suas opiniões dividiram-se, tal como em 2014, mas desta vez a maioria da extrema direita acabou apoiando a 'operação especial', embora muitos critiquem fortemente a forma como é realizada”, acrescentou.
Aqueles que cruzaram a fronteira para a Ucrânia em 2014, como o RVK, geralmente têm amigos ou familiares de extrema direita no país.
Não se sabe quantas pessoas seguiram esse caminho, mas estima-se que sejam centenas, e algumas delas lutaram no Donbass.
"Combatemos o Kremlin"
Em entrevista por Zoom, um membro do RVK que se identificou como Alexander, conhecido como "Fortuna", contou à AFP como o grupo opera.
"Estamos desenvolvendo ativamente, estamos crescendo (...) participamos da operação especial em toda a linha de frente", diz.
"Estamos lutando contra o atual regime do Kremlin, contra o qual lutamos praticamente toda a nossa vida adulta", acrescenta.
Alexander descreve o RVK como uma unidade independente fora da Ucrânia, mas "diretamente subordinada" ao Ministério da Segurança ucraniano.
"No começo, [o RVK] era apenas uma marca", admitiu. "Em agosto anunciamos a criação de uma unidade. Nos equipamos com instrumentos midiáticos (...) e começamos a dedicar as nossas vidas a esta unidade".
Em agosto, em São Petersburgo, outro grupo de extrema direita, chamado Exército Nacional Republicano (NRA), reivindicou a responsabilidade por um ataque que matou Daria Dugina, filha de um ideólogo próximo ao Kremlin.
Mas "temos que ser céticos em relação ao que a NRA diz sobre o ataque", adverte Webber, do Militant Wire.
A inteligência dos EUA determinou que o Estado ucraniano estava envolvido na morte de Dugina, informou o The New York Times na época.
Risco
Vários grupos supremacistas também lutam ao lado da Rússia, como o WPRS ou Rusich, que estão ligados ao grupo paramilitar privado Wagner.
O Soufan Center, um think tank de Nova York especializado em segurança, observa que "não está claro neste momento se o WPRS opera como uma força coesa e independente na Ucrânia ou se seus membros estão espalhados por todo o exército russo".
Acrescentou que os membros do WPRS "foram vistos treinando com várias armas personalizadas e trajes térmicos, o que indica que eles têm acesso a armas e equipamentos de alta qualidade, muitas vezes de nível militar russo".
Grupos de extrema direita pró-Moscou e pró-Kiev podem se tornar um problema sério no final do conflito.
Os pró-russos poderiam se voltar contra um governo que os usou como força de combate e depois os decepcionou.
Aqueles que lutam ao lado da Ucrânia podem acabar representando uma ameaça ao presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, cujas forças de defesa os recrutaram.
Zelensky "precisa de todos que puder para lutar ao seu lado", diz Raffaelo Pantucci, pesquisador da Escola de Estudos Internacionais S. Rajaratnam, em Singapura.
Mas "é incrivelmente arriscado para um país tentar manipular grupos como esses e pensar que pode controlá-los", acrescenta