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MANAUS – Viável economicamente, com a vantagem de usar até 10 vezes menos espaço para produzir a mesma quantidade de proteína que a pecuária extensiva e com potencial de gerar renda significativa, o cultivo de peixes nativos da Amazônia está indo por água abaixo, revela o estudo Marco Legal da Piscicultura Amazônica, elaborado pelo Instituto Escolhas. A negligência com a atividade econômica é o principal entrave.
Dois gargalos afetam diretamente os pequenos produtores, que respondem por 95,8% das propriedades mapeadas, e travam a expansão para novos mercados. Um é a baixa produtividade, resultado da falta de acesso à assistência técnica adequada, e o outro é a necessidade de aumento da produção, que oscila entre 160 mil e 175 mil toneladas anuais desde 2015.
“Para efeito de comparação, somente o estado do Paraná, maior produtor de peixes do país, produziu 150 mil toneladas em 2022”, afirma Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas. O estado de Rondônia detém a liderança da produção regional com 57,2 mil toneladas, também em 2022.
No Amazonas, o Censo Agropecuário registrou 1.989 empreendimentos de piscicultura. O Escolhas identificou 1.842 por mapeamento geoespacial, 7,4% a menos. Segundo o Instituto, o censo deve ter incluído a piscicultura extensiva, que é realizada em açudes.
A criação de peixes em água doce é o segmento mais desenvolvido da aquicultura brasileira. Em 2022, foi responsável pela produção de 617,3 mil toneladas de pescado. A exótica tilápia respondeu por 66,1% desse total, seguida pelo tambaqui (17,7%) e pelos híbridos tambatinga/tambacu (7,3%). O segundo e o terceiro colocado no ranking são caracterizados como peixes redondos e têm sua produção baseada principalmente em Rondônia, Mato Grosso, Maranhão, Roraima e Pará.

Atividade de baixo impacto ambiental, mas grande potencial de mercado, tem sido negligenciada na região pelo poder público. O estudo identificou 61.334 empreendimentos de piscicultura na Amazônia.
“Nenhum setor produtivo cresce sem a devida atenção e o devido apoio da gestão pública. Por isso, sem o investimento do governo federal e dos governos estaduais, os pequenos piscicultores da Amazônia Legal seguirão fazendo o possível, sem possibilidade de alcançar todo o seu potencial”, alerta Rafael Giovanelli, gerente de pesquisa do Instituto Escolhas.
De acordo com a pesquisa, os empreendimentos de piscicultura na Amazônia têm, em média, 19% de área inativa. Esse percentual chega a 20% nas pequenas propriedades. Isso acontece porque, no atual contexto de pequena produção e baixa produtividade, o investimento necessário para manter os tanques ativos não compensa.
Os estados do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima foram diagnosticados com baixa produtividade (2,5-4,9 toneladas de peixe/hectare/ano). Isso significa que eles poderiam aumentar a produção local sem expandir a lâmina d’água, apenas combinando a reativação das áreas não usadas com estratégias de aumento da produtividade, como assistência técnica e o uso de ração e alevinos de melhor procedência.
O acesso ao crédito, que poderia mudar essa realidade, emerge como mais um gargalo, principalmente devido à necessidade de regularizar o empreendimento para acessar o recurso. Em 2022, pouco mais de R$ 189 milhões (ou 28,4% do total nacional) foram efetuados em operações de crédito para custeio de piscicultura na Amazônia Legal. Em termos de investimento, os estados da Amazônia Legal participaram apenas com R$ 5,3 milhões ou 10,5% em relação ao total nacional.
Outros dois fatores, segundo o estudo, expõem a situação atual da piscicultura amazônica: o desinteresse dos governos estaduais e federal em reconhecer o potencial da piscicultura e investir no setor e o marco regulatório defasado de alguns estados. Combinando as tendências atuais verificadas em cada estado, o estudo estima um crescimento de 175 mil toneladas para 183 mil toneladas nos próximos dez anos, ao fim dos quais, o setor terá crescido apenas 4,6%.
“Temos milhares de pequenos piscicultores na Amazônia que se mantêm atuantes apesar da falta de acesso à assistência técnica e infraestrutura e da ausência de visão dos governos locais sobre o potencial dessa cadeia produtiva e sua importância no contexto regional”, afirma Sergio Leitão.

Conforme o Instituto Escolhas, o fortalecimento da piscicultura de espécies nativas da Amazônia demanda a expansão do mercado consumidor, hoje concentrado nos estados da região, já saturados pela oferta do pescado (seja oriundo da pesca ou da piscicultura).
Para expandir, é preciso aumentar a escala de produção o suficiente para viabilizar o abastecimento da indústria e, a partir da industrialização, chegar ao mercado nacional. Isso passa, no entanto, por tornar o cultivo de peixe atraente e rentável, especialmente para os pequenos produtores, que são a esmagadora maioria.
Regularização fundiária
Para o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) o maior entrave da piscicultura no estado está na regularização fundiária dos empreendimentos, o que vai inviabilizar a regularização ambiental e a obtenção do CAR (Cadastro Ambiental Rural).
“A questão fundiária, não só para a psicultura, mas para qualquer atividade rural, é um problema. Por meio do documento fundiário, você tem a facilidade de regularizar a atividade, já que a legislação exige, em muitos casos, que você tenha o documento fundiário do imóvel, para comprovar a posse daquele imóvel”, diz Carlos André Lima, analista ambiental da gerência de controle de pesca do Ipaam.
“No caso da psicultura, a gente não aceita qualquer documento. Existem várias modalidades, tem autodeclaração de posse, contrato de compra e venda, são documentos que, juridicamente, são considerados fracos para comprovar essa propriedade”, diz o analista.
Sem a documentação fundiária, o piscicultor não consegue fazer o financiamento para o seu empreendimento e desenvolver as suas atividades na área da pesca.
“Então, muitos piscicultores, que estão paralisados ou que querem ampliar a atividade, precisam de uma comprovação junto à entidade financiadora para dar uma garantia e fazer um empréstimo, por exemplo. E, lógico, a documentação fundiária garante que você tenha o domínio da propriedade e que você não tenha problemas de invasão de terras”, esclarece Carlos André.
Apoio técnico
O Idam (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas) informou em nota que os piscicultores recebem capacitações e assistência técnica.
“Para os piscicultores, bem como aos demais produtores rurais, o instituto atua na oferta de assistência técnica, capacitações e cursos; elaboração de projetos de crédito rural destinado às diversas etapas de implementação de um empreendimento aquícola, desde maquinário, aparelhos, ração, dentre outros; emissão de CPP (Cartão do Produtor Primário), o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e o CAF (Cadastro Nacional da Agricultura Familiar)”, diz na nota.