Manaus (AM)- Após protestos e denúncias de moradores contra a presença da balsa Dubai em Tapauá, no interior do Amazonas, como relatou reportagem da Amazônia Real , o Ibama e a Polícia Federal realizaram a operação Gana na quarta-feira (25), que resultou na destruição do equipamento de grande porte. O garimpo ilegal ameaçava a sobrevivência das populações locais que dependem do rio Purus e abastecem boa parte do mercado de peixes do estado.
Segundo a Polícia Federal, a equipe da operação foi composta também pela Polícia Militar e contou com apoio operacional da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. A draga, segundo a PF, estava escondida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piaguaçu Purus.
“Após abordagem, foi constatada a mineração ilegal. Foi feita a destruição da embarcação conforme os normativos vigentes, por não haver possibilidade de remoção, além da balsa de combustível, o empurrador e seis mil litros de diesel. Foram aplicadas multas que totalizaram aproximadamente R$ 16, 5 milhões”, diz o comunicado da PF.
“Não só eu, mas a população inteira se sente aliviada, porque já pensou se eles se instalassem aqui no município de Tapauá, onde nós moradores vivemos de caça e dos peixes dos rios? Ia poluir tudo, Tapauá inteiro ia ficar à mercê da fome porque é do peixe que vem o nosso sustento”, declarou Márcia Batista Apurinã, liderança local do movimento indígena à reportagem.
A presença da balsa foi denunciada pela Amazônia Real em 19 de maio na reportagem “Moradores de Tapauá (AM) se mobilizam contra garimpo de ouro” . A agência vinha apurando o caso há duas semanas e cobrando dos órgãos, como o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e a Agência Nacional de Mineração (ANM), uma resposta sobre a Licença de Operação e Alvará emitido ao responsável da balsa, João Leonardo Leismann De Sá Chaves, rondoniense dono da Cooperativa dos Trabalhadores em Garimpo, Extrativismo, Pesca e Ambientalismo do Estado de Rondônia e sócio na empresa Nacional Intermediações LTDA.
A ação do Ibama e da Polícia Federal só foi possível porque a balsa encontrava-se há mais de dois dias distante das coordenadas geográficas em que o Ipaam havia autorizado a pesquisa de minério de ouro com prospecção superficial. A operação durou cerca de 15 horas e começou com a chegada do Ibama com a Polícia Federal em Tapauá, em um hidroavião. De lá, foram guiados ao lugar onde a balsa estava escondida.
Apesar da Licença de Operação nº 073/2023 ter sido emitida em fevereiro deste ano, o próprio secretário de Meio Ambiente e Turismo de Tapauá, Jaciel dos Santos, já havia informado à reportagem que suspeitava de outras intenções além da pesquisa liberada.
“As características do equipamento usado denotam que pretendiam fazer extração de minério e não uma simples pesquisa superficial de prospecção, conforme está na L.O.”, disse em entrevista à agência.
Márcia Apurinã afirma que a população local já tinha certeza que o garimpo era ilegal e que estava errado desde o início. Mesmo assim, ela conta que o apoio que tiveram veio da reportagem pela Amazônia Real , além de toda a movimentação dos moradores.
“ A nossa luta contra os garimpeiros não foi fácil, a gente não teve apoio dos poderes maiores que são os vereadores e o prefeito, que ficaram ausentes e não participaram”, explica. “Hoje nós vencemos, mas não foi fácil”.
Conforme ela afirma, a população local, entre indígenas, ribeirinhos e moradores da cidade, já estão acostumados a lutar contra grileiros e pescadores ilegais, mas contra o garimpo foi a primeira vez, o que assustou todos que já enfrentam outras ameaças.
“Foi uma luta que a gente travou, uma luta em que a gente entrou em desespero e acreditamos em nós mesmos. Vimos que juntos a gente teve forças e eu espero que isso não aconteça mais porque com outra [balsa] dessa o povo pode entrar em conflito com os garimpeiros”, afirmou.
João Leonardo Leismann, responsável pela draga destruída, procurou a Amazônia Real nesta sexta-feira (26) para contar sua versão. Ele acredita que foi injustiçado pelos órgãos ambientais e vai recorrer à Justiça.
Para o empresário, o que o Ibama fez junto com a Polícia Federal foi um abuso também aos seus funcionários, já que apreenderam equipamentos e outros itens como jóias, celulares, internet e televisão. Ele ainda acusou a operação de ter cometido crime ambiental.
A parte da licença, o abuso do que foi feito e a própria explosão eu vou discutir na Justiça. Só que eu quero saber a questão de onde estão as coisas que pegaram na draga”, disse.
O garimpeiro também questiona qual foi a motivação para a destruição da balsa. Segundo ele, a embarcação era legalizada e a lei de mineração não especifica o tamanho que deve ser usado na pesquisa de ouro. Leismann disse que ainda não recebeu nenhum tipo de autuação, negou que tenha feito exploração nas áreas de conservação ambiental e informou que estava preparando um mandado de segurança enquanto a balsa estava parada em manutenção no rio.
“Por que fizeram isso com a gente? Qual crime ambiental fizemos se a gente não trabalhou? A questão é de injustiça, que no meu ver explodiram a draga lá dentro de uma reserva que é no caminho que vai pra Manaus, que era para onde a gente estava se dirigindo. E no caso a gente estava com 15 mil litros de óleo no tanque da draga que eles derramaram, eles causaram dano ambiental”.
Leismann contou que foi bem recebido pelo secretário do Meio Ambiente do município, Jaciel Santos, e que o mesmo ofereceu o porto de Tapauá, vindo a agir de forma contraditória mais tarde. Ele declarou também que desceu o rio e que a balsa estava no lugar onde Jaciel havia dito para ficar. O empresário afirmou ainda que tinha boas intenções de fomentar a economia na região. “É uma pena, porque o que a gente queria era fomentar a economia de Tapauá e não levar danos ambientais”, lamentou. “Eu acredito que a gente foi vítima de uma injustiça muito grande. Do que adianta ter uma licença do governo federal, do que adianta ter uma licença do governo estadual e ser tratado dessa forma? Então assim, sobre se a gente vai voltar ou não, não sei”.
Para o superintendente do Ibama do Amazonas, Joel Araújo, a operação é uma resposta às denúncias da população e ao próprio Ministério Público Federal (MPF), que notificou o órgão.
“Por hoje, a exemplo do que aconteceu no rio Juruá, nós nos antecipamos a um movimento de garimpeiros para regiões que são altamente protegidas e que possuem governança ambiental. Então é uma resposta do Ibama, da Polícia Federal, da Polícia Militar, da nossa Secretaria Estadual de Meio Ambiente a todos esses anseios da sociedade amazonense”, afirmou o superintendente.
Joel acrescentou ainda que o futuro de Tapauá poderia ser semelhante ao da TI Yanomami e que os órgãos públicos de proteção ambiental atuaram sobre o fato e “eliminaram o risco de forma definitiva naquele local especificamente”, ressaltando que é preciso cuidar para que novas dragas ilegais não voltem a atuar no rio Purus.,
Operação Dubai
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Desde a última semana de abril, a balsa Dubai já havia sido identificada nas proximidades de Tapauá (a 449 quilômetros de Manaus) e em áreas próximas à Reserva Biológica Abufari, à Floresta Estadual de Tapauá e em áreas de influência das Terras Indígenas Igarapé São João, Itixi Mitari e Lago Aiapuá, assim como na comunidade Baturité e Jatuarana.
A Secretaria de Meio Ambiente e Turismo de Tapauá primeiramente fez um auto de notificação, no dia 28 de abril, informando que as atividades da balsa deveriam ser suspensas até a apresentação das documentações municipais.
Já no dia 10 de maio, a SemmasTur coordenou junto com as polícias Civil e Militar a Operação Dubai para interromper as atividades da balsa. A ação resultou na emissão de um auto de infração e na assinatura de um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Quatro pessoas foram conduzidas ao 64º DIP de Tapauá para prestar esclarecimentos.
O relatório da Operação Dubai apontou que a atividade garimpeira não obedecia o artigo 55 da Lei 9.695/98 de crimes ambientais, que criminaliza a exploração sem a devida autorização; e os artigos 85 e 86 da Lei Municipal Nº 223, que trata da exploração de recursos minerais.
Após ser retirada pela Semmastur das redondezas da sede de Tapauá, a balsa ficou instalada próxima à comunidade de Beabá, dentro da RDS Piagaçu Purus, permanecendo há mais de uma semana até ser destruída na operação Gana, às 19h de quarta-feira.
Órgãos responsáveis
Balsa Dubai quando foi apreendida (Foto: Divulgação Secom AM)
O Ipaam e a ANM em primeiro momento mostraram-se a favor da presença da balsa devido à legalidade do processo. O Ipaam, quando procurado, havia informado à Amazônia Real que não havia riscos às TIs e Unidades de Conservação e afirmou que tudo estava dentro da lei e que faria uma fiscalização no segundo semestre.
“O Ipaam informa que o cidadão citado possui uma L.O. para atividade de pesquisa mineral, com fiscalização programada para o mês de julho deste ano. Afirma, ainda, que a expedição se deu dentro dos rigores das leis de mineração estadual e nacional”.
O parecer técnico nº 0117, do Ipaam foi enviado à Amazônia Real pelo órgão para justificar a atividade. O documento diz que a atividade não é de risco e por isso não requer Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Mas na própria Licença de Operação consta que o nível de potencial poluidor e degradador da atividade é “médio”.
“Considerando que a atividade de pesquisa, aplicando prospecção em profundidade, não se enquadra como atividade de grande impacto, não se faz necessário a apresentação de EIA/RIMA nesta fase. Estando passível de apresentação de EIA/RIMA o Regime de Concessão de Lavra, que apenas será iniciado se o Relatório Final de Pesquisa Mineral apresentando se mostrar positivo para exploração”, diz o parecer.
Na tarde desta sexta-feira (26), a ANM informou que suspendeu o alvará. O despacho, no entanto, ainda não foi encaminhado à reportagem.
O Governo do Amazonas não respondeu às perguntas sobre o Plano de Mineração que faz parte do segundo mandato do governador Wilson Lima (União Brasil).
Para Márcia Apurinã, é preciso ainda que as investigações continuem sob os órgãos de controle. “Os nossos próximos passos são saber porquê o Ipaam deu essa licença, porque o prefeito [de Tapauá] não se manifestou e porque foi preciso o povo se manifestar e ir para a rua para isso poder acontecer”, diz. “E a gente quer sim resposta do governador Wilson Lima. Porque ele não se manifestou também sobre a chegada dessa balsa de garimpo no nosso município”.
A luta continua
Ato contra o garimpo ilegal em Tapauá no dia 18/05, quarta-feira (Foto cedida por José Walter)
Não é o fim da luta para ribeirinhos e indígenas de Tapauá. Para eles é só o começo. Desde o ato “Não ao garimpo ilegal e nem legal”, ocorrido em 18 de maio, eles recolhem assinaturas para um abaixo-assinado a ser encaminhado para órgãos públicos como Ibama, Ipaam, ANM, Ministério Público Federal e Ministério do Meio Ambiente, liderado pela ambientalista Marina Silva.
As assinaturas já somam mais de 1.300 e ainda estão em processo de recolhimento nas comunidades e aldeias mais distantes, que fazem questão de participar. A população vai ainda solicitar uma audiência pública para tratar sobre o garimpo.
“Nosso pedido ao poder público é que primeiro ele se comprometa que não vai conceber nenhuma licença de conformidade [com o garimpo] e que se crie um dispositivo normativo, seja ele uma lei ou um decreto para dar as condições necessárias que dificulte a entrada do garimpo, uma vez que nós estamos perto de áreas de conservação que vão ser impactadas diretamente”, explica uma das lideranças do movimento “Juntos por Tapauá”, que preferiu não se identificar por temer ser alvo de retaliação.
Após conquistar a retirada dos garimpeiros, a população vai permanecer lutando para ter meios legais que evitem futuras licenças de operação e crimes ambientais.
O movimento “Juntos por Tapauá”, que surgiu para retirada da balsa e garimpo ilegal e legal, também vai continuar para futuras reivindicações.
“A gente pretende continuar lutando porque ninguém sabe se hoje ou amanhã, eles [garimpeiros] vão vir com ladainha falando que vieram fazer só uma pesquisa como agora falaram. O município não foi consultado, então a gente pretende continuar lutando para que não venha acontecer o que houve com o nosso povo, tanto indígena, ribeirinho e do município”, afirma a liderança Márcia Apurinã.
Márcia pede ainda que o governo dê proteção às lideranças locais, que podem se sentir ameaçadas após a operação. “Com certeza a gente teme retaliação deles [garimpeiros] porque são muito violentos, a gente estava com a cara nua ali, então a gente pede proteção do governo porque eles são muito perigosos e a gente tem família, a gente tem filhos”, conclui.