Por Conceição Melquíades, do ATUAL
MANAUS – O calor amazônico, com temperaturas intensas e alta humidade, e a seca prolongada dos rios geram risco ao consumo de água no Amazonas, mostra estudo ‘As Mudanças Climáticas no Setor de Saneamento – Como secas, tempestades e ondas de calor impactam o consumo de água?’, do Instituto Trata Brasil.
O estudo considera o agravamento de eventos climáticos extremos até 2050. Conforme a pesquisa, o Amazonas e o Mato Grosso do Sul apresentam os maiores riscos de seu abastecimento de água ser afetado por ondas de calor.
No Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Rio de Janeiro o risco é de desabastecimento de água causado por tempestades. O Rio Grande do Sul e Santa Catarina estão sujeitos à contaminação de águas superficiais e a impacto no sistema de esgotamento sanitário também por tempestades, enquanto Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba possuem o sistema de abastecimento de água mais vulnerável a secas meteorológicas.
O Trata Brasil avaliou três ameaças climáticas: tempestades, ondas de calor e secas.
“Avaliamos essas três ameaças climáticas fazendo uma correlação com o sistema de abastecimento de água, coleta e tratamento dos esgotos. Então, quando a gente olha a questão das ondas de calor, o que esse estudo projetou é que até o ano de 2050, por conta do aumento da temperatura do planeta Terra, devemos ter um aumento no número de episódios de altas temperaturas”, disse Luana Pretto, presidente executiva do Trata Brasil.
Temperaturas elevadas por longo período de tempo geram consumo maior de água, que afeta a estrutura de tratamento e fornecimento. O risco é de não conseguir suprir a demanda com o funcionamento das estações de capitação e beneficiamento no limite.
Nessa condição, máquinas e equipamentos estão sujeitos a superaquecimento. “No caso do Amazonas, a gente tem 88% dos municípios com risco alto ou muito alto no abastecimento. Tanto de danos na infraestrutura, sobrecarga dos equipamentos, quanto no aumento da demanda de água e energia por conta do aumento dessas ondas de calor”, acrescentou a presidente Executiva do Trata Brasil.
Conforme Luana Pretto, o aumento no consumo de água exige maior volume de efluentes a serem processados e as estações podem sofrer uma redução da eficiência no tratamento em função da sobrecarga.
“A grande questão que a gente precisa pensar é que, frente a essas questões, seja de maior número de ondas de calor que vai trazer maior evapotranspiração, maior consumo de água e muitas vezes uma demanda maior de um manancial, às vezes operando no limite, é preciso reduzir as perdas”, lembra.
“Uma região que tem uma perda cima de 50% está muito acima da média nacional, que é de 37%. Por um lado, a gente está captando muita água, gastando com esse tratamento, por outro a gente está perdendo no sistema de distribuição”, reiterou.
Esses eventos climáticos extremos trazem a necessidade de um planejamento tanto em relação à mitigação quanto à adaptação às mudanças climáticas. “A gente precisa entender que essa é uma realidade. Os eventos eles tendem a se intensificar e por isso é preciso um planejamento adequado em relação a obras necessárias e investimentos dos governantes”, defende.
Ilusão da abundância
Embora o Rio Amazonas seja o mais extenso e o de maior vazão de água do mundo, ainda não há estudos que atestem o impacto das vazantes extremas no nível do lençol freático.
“O principal problema é que mantínhamos a imagem de que a gestão de águas na Amazônia era pela abundância. O que temos visto é que o olhar da gestão pela escassez não pode mais ser desprezado nos atuais períodos de mudanças climáticas pela qual passa o planeta”, diz Daniel Nava, de 56 amos, doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia. Ele é gerente de Recursos Hídricos do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas). Daniel cita o Aquífero Alter do Chão, reserva hídrica de 39 mil quilômetros cúbicos de água na Amazônia.
Daniel Nava diz que os grandes centros urbanos não devem ficar desabastecidos nas crises climáticas, pois além da captação de água superficial dos rios, existe a opção de poços tubulares profundos que buscam os reservatórios subterrâneos de água.
Mas nas comunidades rurais isoladas da calha principal dos rios a situação é diferente. Esses povoados, que captam suas águas apenas superficiais e os poços, quando existentes são rasos e ficam secos no período da vazante extrema, estão sujeitas a risco maior de desabastecimento. “Essas comunidades podem sofrer com eventos extremos como a estiagem prolongada e severa”, diz o especialista.
Norte com mais perda de água
A Região Norte registra maior evapotranspiração [perda de água da Terra por meio da evaporação da água do solo e da transpiração das plantas], segundo o estudo do Trata Brasil. Os maiores valores foram identificadas nos estados do Amazonas e Roraima, no norte do Pará e sul do Amapá. No Nordeste, o fenômeno é mais acentuado no Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte.
O Acre, o oeste do Amazonas e parte do Nordeste –Rio Grande do Norte e Ceará – estão sujeitos a altas temperaturas com ocorrências de ondas de calor. Outras regiões como o sul de Mato Grosso do Sul, Paraná, e certas regiões de São Paulo e Minas Gerais também apresentam valores intermediários a altos, indicando alta frequência de ocorrência das ondas de calor.
Os municípios que apresentaram maiores índices de risco são aqueles que possuem abastecimento por manancial exclusivamente superficial [rios, lagos, igarapés, e ribeirões] e que se localizam em regiões onde há tendência de agravamento dos eventos de ondas de calor, que é o caso dos estados do Acre e Amazonas.
Contaminação
Outro fator apontado é o risco de contaminação e degradação ambiental devido ao fluxo dos rios e corpos d’água que podem diminuir, prejudicando a capacidade de diluição e aumentando a concentração de poluentes.
As cinco capitais mais propensas a esta modalidade de risco são Teresina (PI), São Luís (MA), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB) e Brasília (DF). As menos propensas são Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Manaus (AM) e Florianópolis (SC).
A recomendação do Trata Brasil (ITB) é para que as empresas de saneamento adotem estratégias de adaptação climática. Ações que contribuem para redução dos riscos incluem o fortalecimento da infraestrutura de captação e tratamento de água e esgoto, a modernização dos sistemas de monitoramento e controle de qualidade da água e investimentos em tecnologia, como o reuso, contribuindo para diversificação das fontes de água.
No Amazonas 81,7% da população tem acesso à água potável, mas 50,9% da água fornecida é desperdiçada na distribuição.