Por Milton Almeida, do ATUAL
MANAUS – Ainda é precipitado afirmar que o Amazonas terá uma seca recorde, maior que a de 2023. O cenário de uma nova estiagem severa e prolongada, ou não, só estará claro no final de julho. É que o sistema fluvial na Região Norte é complexo e as mudanças no ciclo de seca e cheias não depende de um evento hidrológico anterior, afirma Naziano Pantoja Filizola, especialista em geomorfologia e dinâmica fluvial dos rios da Amazônia e professor de Geociências da Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
Segundo Naziano, o fenômeno da seca não deve ser observado de maneira fragmentada. Ele defende a “visão holística” [total] com a participação de especialistas regionais, nacionais internacionais e, inclusive, dos ribeirinhos das calhas de rio.
“Fazer uma previsão para a seca deste ano enquanto ainda estamos vivendo a cheia é muito prematuro. Afirmar que, por conta da cheia de 2024, que está sendo fraca, a seca será forte, é um raciocínio inadequado. Não há uma lógica nisso. O sistema é complexo, parte se consegue ver e sentir com alguma facilidade, mas a maior parte não” diz o professor.
Segundo Filizola, o sistema fluvial do Amazonas tem variáveis externas que são o clima, atividades humanas (desmatamentos, queimadas, obras, etc.) e mudanças no nível de base (aumento do nível dos oceanos, por exemplo). As internas são a geologia, a topografia, o uso e conservação do solo e a cobertura vegetal.
“Ter todas essas variáveis sob controle é muito difícil. Inicialmente, trabalhamos monitorando as variáveis indicativas da mobilidade do sistema fluvial no contexto de dois subsistemas: a vertente e a planície fluvial. O último é o mais significativo na realidade da grande planície amazônica, o primeiro mais no âmbito Andino. Para direcionar o funcionamento desses dois subsistemas as variáveis indicativas são a vazão dos rios e o transporte de sedimentos. Prevê-las é possível, mas não garante uma resposta 100% segura, em especial para prever os eventos extremos”, explica Filizola.
O especialista diz que, do ponto de vista da ciência, o clima amazônico apresenta um “contexto bem distinto” do que o de 2023. “No ano em curso as variáveis externas (sinais climáticos) já estão funcionando de modo diferente às do ano passado. Os rios da margem direita do Rio Amazonas, incluindo seus formadores no Peru, que fluem do Sul para o Norte, têm manifestado tendência de seca extrema. E essa já começou, uma vez que o pico de cheia desses rios já passou e normalmente ocorre entre fevereiro e abril. Aí já temos um cenário de seca forte configurado”, diz.
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A margem direita do Amazonas cobre as bacias de sete afluentes: Xingu, Tapajós, Madeira, Purus, Juruá, Jutaí e Javari, em cinco unidades da federação – Pará, Amazonas, Acre, Rondônia e Mato Grosso. “Os rios da margem esquerda, e que fluem do Norte para o Sul, ainda se encontram em fase de subida. Portanto, não atingiram ainda sua condição de máxima, isso inclui o próprio Rio Negro em seu alto e médio cursos. Neste caso, o cenário ainda está em formação”, ressalta.
Os afluentes da margem esquerda são o Napo, Içá ou Putumayo, Jari, Paru e o maior afluente é o Rio Negro. “O nível do Rio Negro em Manaus, por exemplo, reflete o fluxo do Rio Solimões. Este último, por sua vez, ainda tem importantes contribuições a receber dos rios Napo (Peru e Equador), Içá e Japurá. Tais contribuições podem ajudar a manter o fluxo do grande rio dentro das condições que ocorrem em ao menos 50% do tempo de sua série histórica de dados. Isso deve manter um quantitativo de água relativamente seguro na calha principal, mas talvez não seja o suficiente para os tributários da margem direita. Para esses será bom já se precaver. Como disse, o cenário já se configurou, porém saberemos melhor no final de julho”.
Naziano desconfia de uma nova estiagem grave, apesar da redução do nível de água do Rio Madeira e os impactos que ele pode causar. “Já para o trecho de Manaus até a foz, temos os rios Negro e Madeira que contribuem, em média, cada um, com cerca de 14% da vazão do Rio Amazonas. Ainda é possível haver uma reversão neste cenário a depender dos rios Negro, Nhamundá e Trombetas que seguem subindo e que juntos podem suprir parte da ausência das contribuições do Madeira. Como disse, no final de julho o cenário será mais claro”, conclui.
Segundo o Monitor de Secas-Maio 2024, da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), no Amazonas, devido às anomalias positivas no último mês, houve o recuo das secas grave e moderada no noroeste e abrandamento da seca, que passou de moderada para fraca no sudoeste e no norte do estado (divisa com Roraima).
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Os impactos são de longo prazo no sudoeste do Amazonas, de curto prazo no leste, e de curto e longo prazo nas demais áreas.