Com um voto da ministra Cármen Lúcia que vai entrar para a história, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formou maioria nesta sexta-feira (30) para tornar Jair Messias Bolsonaro inelegível por oito anos. O posicionamento da ministra, também magistrada do Supremo Tribunal Federal (STF), era mais do que esperado. Mas é simbólico que o voto de uma mulher tenha sacramentado o destino do político que, durante sua carreira, ganhou notoriedade também por sua misoginia, entre outras aberrações.
Cármen seguiu o voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, levando o placar a 4 a 1 contra o ex-presidente. Até o momento, os votos pela condenação de Bolsonaro, além da ministra e do relator, foram de Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares e Cármen Lúcia.
Assim que tomou a palavra, a ministra disse também que não utilizaria fatos juntados ao processo que não fosse o próprio fato, a reunião de 18 de julho de 2022. Naquele data, o então chefe de governo recebeu dezenas de embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada para atacar, sem provas, as instituições democráticas brasileiras perante o mundo.
“Não lidei com fatos anteriores. O que está aqui não é um filme, é uma cena: o que aconteceu e não é controverso nos autos”, explicou a ministra.
Faltam os votos dos ministros Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes, presidente do tribunal. O julgamento da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) 0600814-85 só não terminará hoje se Kassio interrompê-lo com pedido de vista, o que é improvável.
Ontem, como era previsível, o ministro Raul Araújo votou contra a ação movida pelo PDT, que alegou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pelo ex-presidente naquela reunião, que relatou aos diplomatas que o sistema eleitoral era falho. E agrediu verbalmente ministros dos tribunais superiores. Mas Araújo não viu “suficiente gravidade” nos ataques de Bolsonaro.
No discurso, perante os diplomatas, Bolsonaro nomeou e atacou especificamente os ministros do TSE Edson Fachin (então presidente), Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.
“O que pode ser mais grave do que acusar os ministros de serem asseclas de terroristas e criminosos?”, questionou o ministro Floriano de Azevedo Marques, no seu voto contundente. No encontro, o então chefe do Executivo brasileiro afirmou que Fachin foi “o homem que tornou Lula elegível” e que “sempre foi advogado do MST, um grupo terrorista”.
Floriano disse que o então presidente expôs os diplomatas “a posição vexatória de coadjuvantes de um teatro eleitoral” e também “conspirou contra a imagem da República”. Ao proferir discurso agressivo e mentiroso contra as instituições, Bolsonaro assumiu o risco, afirmou.
O ministro usou de ironia para dizer que as pessoas têm direito de “acreditar que a Terra é plana, mesmo contra todas as evidências científicas”, mas não podem disseminar “inverdades científicas”, na condição de professores públicos ou chefe de Estado. Isso é desvio de finalidade, salientou Floriano.
Em seu voto, na terça-feira (27), o relator Gonçalves afirmou que “o golpismo, que no século XXI paira na superfície do tecido social, exige vigilância ininterrupta por parte de democratas de qualquer espectro”. Benedito Gonçalves destacou que Bolsonaro mencionou as Forças Armadas por dezoito vezes na fala aos embaixadores.
Porém, a palavra “democracia” apareceu apenas quatro vezes. “E em nenhuma delas foi reconhecida como um valor associado à realidade do processo eleitoral”, anotou o ministro Benedito Gonçalves.
RBA