Everaldo Leite é um economista engajado na vida pública. Além de assessor legislativo do quadro efetivo da Câmara de Goiânia, como economista, participa ativamente de debates nas redes sociais e em discussões acadêmicas – também tem no currículo o ofício de professor universitário.
Com sua experiência, Everaldo concedeu esta entrevista ao Jornal Opção centrando-se na problemática crise das últimas semanas a respeito da taxa de juros básicos da economia, a Selic – que, com 13,75% ao ano, é a maior do planeta –, colocou em polos opostos o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e a autoridade monetária, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. A instituição ganhou autonomia desde fevereiro de 2021 e teve, nessa condição, Campos Neto como primeiro nomeado, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para o economista goiano, é preciso que haja um consenso entre as partes. Para tanto, ele aposta na capacidade conciliatória do petista. “A principal maneira de haver um bom encaminhamento de todo o processo nessa crise é se sentarem todos à mesa de negociação”, afirma. Seu modo de pensar se aproxima bastante do ponto de vista de André Lara Resende, o economista-banqueiro que foi um dos mentores do Plano Real: “Uma taxa elevada aumenta o serviço da dívida, que é o que os cofres do país pagam de juros. Ou seja, quando há esse crescimento do serviço da dívida, vai faltar dinheiro para investimentos públicos. Essa é a grande questão para o governo.”
O governo precisa criar condições para que políticas monetária e fiscal se aproximem
O que está realmente “pegando” na relação entre o governo federal e a política do Banco Central, que hoje tem autonomia? Qual é a verdadeira razão?
A política monetária tem restrições no âmbito do Banco Central por conta do próprio mandato. Quando se fala nesse mandato, estamos falando sobre o foco que está sendo dado pelo próprio Banco Central à política monetária. Esse foco é estritamente em relação à inflação. Não exatamente à inflação atualmente, mas sobre a expectativa de inflação para os próximos trimestres. O BC, quando mantém a taxa de juros em 13,75%, evidentemente que sabe que não é algo desejado pela sociedade, porque tem um impacto forte na economia real, nos investimentos e nas possibilidades de investimentos. Se não há uma tendência de queda na taxa de juros – a Selic, no caso –, passa-se a ideia de que não é momento de investir. A taxa de juros real [a taxa de juros descontada da inflação] é altíssima, em torno de 8%. Esse índice não atrai ninguém para o investimento real. Afinal, o que é preferível, fazer uma aplicação em títulos do Tesouro a 8% ou investir em um negócio sem ter uma perspectiva de retorno, ou algo bem longe da aplicação? É evidente que a pessoa, mesmo que hoje tenha uma grande empresa, vai preferir colocar o dinheiro para render e não para elaborar um novo produto ou em aumentar produção.
Outra questão é a terrível desconexão que há no Brasil entre a política monetária e a política fiscal. É uma baboseira fora do comum, que não existe em nenhum outro lugar. Claro que existe um impacto fortíssimo na política fiscal quando há uma taxa de juros tão alta como a que temos. Ora, uma taxa elevada aumenta o serviço da dívida, que é o que os cofres do país pagam de juros. Ou seja, quando há esse crescimento do serviço da dívida, vai faltar dinheiro para investimentos públicos. Essa é a grande questão para o governo. E aqui vai uma crítica ao próprio presidente Lula: não que ele esteja errado ao falar o que tem falado – Lula está certo, porque politicamente é importante dizer que se sente desagradado, que não gosta dessa política do Banco Central. Mas o governo precisa criar as condições para que a política monetária se aproxime da política fiscal. É necessário se sentar com o Banco Central e criar uma estratégia comum, com uma convergência de entendimento, para que a gente tenha uma condição de crescimento da economia. Do contrário, vamos ficar parados. A discussão, do jeito que estava acontecendo – Lula dizendo uma coisa de lá, Campos Neto respondendo do lado de cá –, isso é totalmente improducente, não vai levar a nada.
Se não houver uma negociação entre essas partes, a estagnação continua?
A tendência é que sim. Por pior que possa parecer ao governo essa condição de ter um Banco Central independente, o melhor a ser feito é sentar na mesa de negociação e dialogar. Resumindo: governo Lula e Banco Central precisam conversar. O problema é que fica parecendo que o BC se tornou um quarto poder.
Parece algo esquizofrênico: o Banco Central pode ser realmente autônomo ou independente se seu presidente participava, pelo menos até semanas atrás, de um grupo de WhatsApp de ministros e ex-ministros de Jair Bolsonaro? Campos Neto tem um campo ideológico e parece servir a esse campo ideológico. A pergunta, então, é: até que ponto existe uma autonomia real ou até que ponto ele está sendo uma espécie de “muro de contenção” à implantação das políticas públicas do novo governo?