Manaus (AM) – Em sua primeira viagem a Manaus como candidato à presidência da República nas eleições de outubro deste ano, nesta quarta-feira (31), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez promessas para mitigar os impactos ambientais que a maior floresta tropical do mundo sofre principalmente nos territórios indígenas, quilombolas e ribeirinhos, regiões de conflitos que se intensificaram no governo de Jair Bolsonaro (PL). Lula voltou a dizer que vai acabar com os garimpos ilegais, mas não explicou como vai retirar os mais de 30 mil garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, por exemplo.
Neste território, além do envolvimento de políticos, empresários e comerciantes com alto poder aquisitivo, o narcotráfico patrocina a exploração ilegal de ouro e estanho. Lula prometeu criar o Ministério dos Povos Originários e demarcar territórios indígenas. Bolsonaro, principal adversário do petista na disputa presidencial, não demarcou um centímetro de terra nos últimos quatro anos, como havia prometido na campanha eleitoral de 2018.
“Tenho dito que não haverá mais garimpo ilegal. Não haverá mais mercúrio. Conheço bem o rio Tapajós [no Pará], está banhado de mercúrio. A gente não pode acreditar que o ser humano seja tão insensível , que não percebeu o mal que está causando para o mundo”, disse Lula. “Vocês vão tomar conta do espaço onde moram com segurança, com respeito e com cuidado da parte do governo”, destacou sobre as demarcações.
“Hoje sabemos da importância de cuidarmos da nossa floresta, da nossa água e do nosso meio ambiente. Mas vocês sabem que precisamos cuidar sobretudo do nosso povo. O nosso povo está passando por necessidades e nós não podemos permitir que não viva dignamente”, disse sobre a importância das populações na preservação da floresta.
Sobre o clima de violência na região, com exemplos como os assassinatos do indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Amazonas, Lula afirmou que pedirá apoio aos países vizinhos para ter mais segurança nas fronteiras. “Estou convencido que ninguém de nós quer transformar a Amazônia num santuário. O que nós queremos é tirar proveito da biodiversidade para que possamos gerar melhores condições aos povos que vivem não apenas na floresta da Amazônia brasileira, mas na Amazônia venezuelana, colombiana. Ou seja, é preciso construir acordos na América do Sul sem abrir mão da soberania”, completou.
Lula prometeu uma sociedade pacificada e sem ódio. “Esse país não pode continuar sendo governado por alguém que não gosta de índio, não gosta de negro, não gosta de mulher, não gosta de sindicalista, não gosta da Amazônia, não gosta do Cerrado, não gosta da Caatinga e que não gosta do povo. Esse povo tem que ser cuidado e é com esse compromisso que eu, junto com vocês, estou nessa disputa”, afirmou.
O candidato do PT visitou o Museu da Amazônia (Musa), dirigido pelo cientista Ênio Candotti, para um encontro com lideranças indígenas e pesquisadores na tarde desta quarta. Foi recebido ao som de maracás e cantos indígenas por representantes de 35 organizações de movimentos sociais da região. Estava acompanhado da esposa, Rosângela Silva, a Janja, e de políticos, entre os quais o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante, o senador Randolfe Rodrigues (Rede/AM) e o candidato ao governo do Amazonas Eduardo Braga (MDB).
Durante o encontro no Musa, chamado “Desenvolvimento Sustentável”, as organizações indígenas e os cientistas entregaram cartas a Lula com pontos que gostariam que fossem levados em consideração caso o candidato vença a eleição. A Amazônia Real repercutiu o discurso do candidato entre as lideranças.
Marciely Tupari, da Terra Indígena Rio Branco, em Alta Floresta (RO), secretária da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), acredita que a atenção de Lula para os povos indígenas no encontro foi satisfatória. “A gente está acostumado a ter pessoas que não escutam a gente e tem um presidente [Lula] que vem até onde a gente está, senta, conversa. Antes dele estar aqui no palco fazendo esse discurso, ele caminhou junto com a gente, conversou e pediu pra gente dar um recado para ele. A gente teve a oportunidade de estar dialogando diretamente, sem medo nenhum”.
Durante a conversa, que ocorreu sob a sombra de uma árvore gigante da espécie angelim-pedra, Lula posou para fotos com lideranças indígenas, entre elas a candidata a deputada federal Vanda Witoto (Rede). Para ela, foi “um momento muito especial e de compromisso com o povo indígena”.
“A gente quer que esse Ministério [dos Povos Originários] tenha recurso, que a Funai também seja fortalecida e que amplie a participação do indígena na gestão dessas organizações. Temos hoje indígenas formados e capazes de assumir as responsabilidades. E também de que ele não permita o avanço da mineração”, disse Vanda.
Segundo a jovem liderança indígena, hoje é prioritário para os povos indígenas o não avanço dos projetos apresentados no Congresso Nacional para abrir os territórios indígenas à mineração, sem consultar os povos originários. “A gente não vai permitir”, disse.
Para o indigenista Francisco Loebens, outro ponto fundamental que deve ser acatado caso Lula seja eleito é a situação dos povos indígenas isolados.”As bases estruturadas [da Funai] estão sem condições operacionais e os funcionários são intimidados sem nenhum respaldo para promover as ações. Há uma grande invisibilidade desses povos [isolados] porque a Funai só reconhece 28 e têm mais de 100. São totalmente invisíveis ao estado e, consequentemente, não têm nenhuma segurança, nenhuma garantia de proteção dos territórios e respostas aos invasores, às doenças”.
Fogo amigo
Para acabar com os garimpeiros ilegais na Amazônia, Lula terá que convencer seus próprios aliados, entre eles o senador Omar Aziz (MDB-AM) e o deputado estadual Sinésio Campos (PT), ambos políticos pró-garimpo no rio Madeira e em terras indígenas no Amazonas.
Campos, por exemplo, foi autor de um grupo de trabalho em 2015 denominado “Mineração em Terras Indígenas” para liberar a exploração em São Gabriel da Cachoeira, o município que abriga a maior população de povos no Alto Rio Negro.
Num documento a que a Amazônia Real teve acesso, o petista pro-garimpo disse que “a grande maioria da população indígena deseja – com base em regras claras e democraticamente elaboradas – explorar e aproveitar os recursos minerais de suas terras”. O objetivo do grupo é apresentar uma proposta ao PL do Garimpo, que tramita no Congresso, sendo uma bandeira de Bolsonaro. Essa proposta é rechaçada pela Federação dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro (Foirn).
Questionado pela reportagem, Sinésio Campos negou que exista um conflito de interesses entre o plano de Lula e sua proposta de legalizar a exploração mineral. “Eu nunca defendi uma mineração predatória nem na Amazônia nem em qualquer parte do mundo”, disse. “A Amazônia precisa sim ter um debate aprofundado sobre os nossos recursos minerais. Estamos preparados sempre para esse debate junto com os movimentos sociais e com a classe científica”.
Natureza eterna
Na visita de Lula à Amazônia, os índices de queimadas já somam um novo recorde em relação ao ano de 2019, quando os criminosos ambientais realizaram o “Dia do Fogo”. Nos últimos 30 dias de agosto, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 30.073 focos de incêndio na região. Cidades como Novo Progresso e Altamira, no Pará, estão encobertas por fumaça. Manaus também enfrenta a poluição do ar por causa das queimadas.
Os cientistas dizem que os desmatamentos e as queimadas contribuem para a produção de gases do efeito estufa pela emissão de carbono na atmosfera. Para Lula, “precisamos cuidar do mundo, porque as mudanças climáticas estão acontecendo todos os dias. O mundo não está para brincadeira, nós somos passageiros, mas a natureza tem que ser eterna”.
O candidato prometeu ainda investimentos para a ciência. “Nós vamos reconcertar esse país, eu quero que vocês saibam: nós vamos voltar a investir em universidades, vamos voltar a investir em ciência e tecnologia”.
O principal órgão de ciência no Amazonas, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), referência internacional, está com mais de 60% do corpo de pesquisa em processo de aposentadoria e sem previsão para novos concursos públicos que preencham as vagas.
Vera Silva, pesquisadora do Inpa, participou do encontro com Lula para reivindicar atenção à ciência. “Nós, da parte da ciência e tecnologia, estamos à míngua e precisamos de muito apoio na Amazônia. Como já foi dito aqui [na carta ao candidato] a pesquisa precisa de apoio não só financeiro, mas principalmente de recursos humanos. Sou funcionária do Inpa há mais de 40 anos e por mais que se diga que ele está sendo apoiado pelo governo federal, não é verdade”.
Ela citou problemas de infraestrutura e falta de contrato de manutenção. “Não são situações específicas de uma pessoa, um laboratório, mas sim a instituição como um todo e todo mundo sofre sem haver uma reposição, uma política de reposição das bolsas de estudos. Muitas pesquisas são feitas pelos alunos de pós-graduação de mestrado e doutorado e hoje eles estão com bolsas defasadas”, explicou.
Para Lucas Ferrante, biólogo e pesquisador, o posicionamento de Lula é claro em relação ao que pretende ser feito para a Amazônia”. “Ele está alinhado com a comunidade científica e com pareceres científicos que apontam que deve-se priorizar a própria dinâmica indígenacional no território. Quando fala que vai colocar um ministro indígena, um indígena na frente da Funai, isso é fundamental dado ao desmonte indigenista que foi feito principalmente com a atuação de militares. Isso precisa ser de fato desmontado”, afirma o pesquisador.
Ferrante comenta que o desmatamento na Amazônia deve ser eliminado em todo o território. “A postura do presidente deve ser a de defender o desmatamento zero na Amazônia. Isso é fundamental. A Amazônia já está à beira do colapso do desmatamento tolerado e a gente não pode mais avançar. O desmatamento precisa ser uma pauta e um compromisso do próximo presidente do Brasil e Bolsonaro claramente não atende essa pauta, que ameaça inclusive o agronegócio”.
Esperança na periferia
O Museu da Amazônia fica no bairro Cidade de Deus, na periferia de Manaus. Muitos populares não tiveram acesso ao local para ver Lula de perto. Mas esse não foi o caso de Eneide Menezes, 58 anos, que estava consertando uma cerca em casa quando descobriu a presença do candidato petista em seu bairro. Ela saiu correndo, subiu uma ladeira e chegou ofegante na portaria do Musa. “Eu vim correndo”, contou. Ela conseguiu entrar e participar do encontro.
Eneide, que antes do governo Lula trabalhava na área de serviços gerais, conseguiu cursar pedagogia no governo do ex-presidente devido às parcerias com as instituições privadas. “Eu sou professora e devo essa honra ao Lula porque eu esperava há muitos anos uma faculdade barata para fazer e eu fiz porque ele me proporcionou isso. Eu pagava 139 reais na faculdade e me formei em pedagogia. Se não fosse a competência dele, eu não estaria ali para ajudar muitas crianças no interior hoje”.
A empolgação dela na presença de Lula chamou a atenção durante a visita do petista. “Eu sei que vai mudar muita coisa porque eu tenho certeza que o meu presidente é competente para fazer isso”, concluiu, acreditando na vitória.
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